O manejo dos familiares diante do indivíduo com uso problemático de álcool e outras drogas.

INTRODUÇÃO
Diante da complexidade do tema do uso problemático de álcool e outras drogas, atrelado as diversidades das dinâmicas, por conta da subjetividade e influências socioambientais dos sujeitos envolvidos, torna-se relevante e oportuno compreender os variados manejos de cuidados, apresentados pelos familiares diante desse contexto.
A questão do uso abusivo de drogas na atualidade corresponde a um problema proeminente e abrangente a nível mundial, envolvendo diversas instâncias, uma vez que este não diz respeito apenas ao usuário de substâncias psicoativas, caracterizando-se, portanto, como um grave problema social e de saúde pública.
A dependência de drogas é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença que requer cuidados específicos. Como qualquer outra doença, ela pode ser tratada e controlada, devendo ser encarada, simultaneamente, como uma doença médica crônica e um problema social. Entretanto, existe uma resistência, tanto por parte dos próprios dependentes quanto por parte dos familiares, em aceitar que o consumo de drogas é uma doença (DRUMMOND & DRUMMOND FILHO, 1998 apud PRATTA 2006), sem falar na ausência de cuidados que atinge, de forma histórica e contínua, aqueles que sofrem de exclusão desigual (MS, 2003), inclusive as pessoas que consomem álcool e outras drogas.
Algumas pessoas usam álcool e outras drogas somente em certas ocasiões sociais com amigos ou momentos de lazer. Esse padrão de consumo chama-se recreativo ou social e em geral, não afeta a vida da pessoa, seja no trabalho, nos estudos, nos relacionamentos sociais ou familiares. Quando o sujeito usa álcool e outras drogas de modo a causar problemas (ex: em casa ou no trabalho, problemas financeiros e etc.) para si ou para outras pessoas, podemos dizer que este uso é abusivo ou nocivo, ou então podemos dizer que esta pessoa está dependente da droga (TAVARES, 2011)
Diante do exposto, com o intuito de discorrer acerca das diversas formas de manejo dos familiares de indivíduo com uso problemático de álcool e outras drogas e suas implicações, abordaremos as questões advindas deste tipo de consumo desestruturante que permeiam estas relações.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A família e a influência cultural são fatores importantes na determinação do padrão do uso e do consumo do álcool e outras drogas. Há várias evidências de que os padrões culturais têm papel significativo no desenvolvimento do alcoolismo, sem, entretanto, ignorar as condições preexistentes de personalidade que podem favorecer a dependência de álcool e outras drogas (BUCHELE, MARQUES, CARVALHO, 2004). É importante ressaltar que além da religião e da cultura, a família representa um papel preponderante na vida dos indivíduos, pois é a primeira referência do sujeito, mediadora entre este e o contexto social, escola onde aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele.
As famílias, segundo Minuchin (1982) apud Cunha (2007), modelam e programam o comportamento e o sentido de identidade de seus membros, sendo que também estes e a família crescem juntos e se acomodam às mudanças da sociedade. Bowen (1991), recorda Miermont (1994) apud Cunha (2007), que a patologia do paciente identificado só pode ser compreendida em relação ao sistema emocional do qual faz parte, afirmando que os padrões vinculares em determinada geração proporcionam modelos implícitos para o funcionamento pessoal e familiar nas gerações seguinte.
Segundo Diamantino (2010), a família, numa perspectiva mais constitucional, pode ser concebida como uma comunidade, implicando que, no desenvolvimento das pessoas na sua totalidade ocasionam o sentido de pertença, fundamenta uma identidade, mas, também, um sentido de ser separado dos demais, de ser uma singularidade. Entretanto, como toda comunidade, ou seja, como todo agrupamento humano regido por um contrato de convivência em torno dos interesses compartilhados, a família tem suas exigências de funcionamento que ordena as interações entre os seus membros.
Historicamente pode-se afirmar que a família medieval tinha por missão a conservação dos bens, a prática comum de um oficio, a ajuda mútua cotidiana num mundo em que o homem, e mais ainda uma mulher, não podia sobreviver isolado (MELMAN, 2001). Dessa forma evidencia-se a falta de privacidade nesses ambientes, onde as relações eram intrinsecamente compartilhadas, dificultando o isolamento. Essa imagem modificou-se na contemporaneidade, onde a estrutura familiar caracteriza-se pelo afeto, e intensas relações entre pais e filhos na privacidade de seus lares. Compreender o funcionamento das famílias nas sociedades ocidentais e conhecer o processo histórico político e social que demandou numa base familiar com características e dinâmicas próprias, pode favorecer uma análise e compreensão mais precisa sobre as vivências dos familiares dos usuários problemáticos de álcool e outras drogas.
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ANÁLISE DE DADOS
Participaram do estudo 04 sujeitos, todos do sexo feminino, a idade variou entre 34 e 60 anos, com grau de parentesco distintos, sobrinha, irmã, esposa, sendo que uma abarcou as funções de filha e mãe. A droga utilizada, pela maioria dos envolvidos foi o álcool seguida pela maconha e cocaína. Todos relataram extrema dificuldade no manejo relacional com os envolvidos, falta de conhecimento do processo, bem como sentimentos antagônicos e complexos desencadeadores de conflitos.
Seguindo a metodologia do estudo, as respostas dos familiares foram categorizadas, comparadas e analisadas a partir das suas falas. A busca de recursos informais tais como seitas, igrejas, agrupamentos religiosos é uma tentativa de sobreposição de apoios que a família não encontra na rede formal, que conforme Diamantino (2010), é por outra, uma forma de absorver as alterações no contexto doméstico que originam contingências de difícil manejo impactando a vida de cada um dos seus familiares.
A responsabilização familiar, atrelada a carência de instituições que assistem e acolhem os familiares, facultam um estado emocional de medo, culpa, raiva, desespero, vergonha, sentimentos que interferem negativamente e de forma conflituosa na dinâmica familiar, mas, principalmente, na abordagem com os sujeitos envolvidos. Pode-se perceber nas falas:
(F02) “...eu me sinto muito chateada ao ponto de nem querer saber que ele é meu tio. Tenho raiva mesmo das coisas que ele faz.”
(F03) “...está sendo assim terrível pra mim, não sei lidar não, sou nervosa, sou estressada, não sei lidar mesmo com a situação não, não sei.”
(F04) “Cheguei a me sentir culpada várias vezes e constrangida com a opinião dela de achar que eu tinha obrigação de aceitar e frequentar aquele lugar e o comportamento dele.”
As famílias em questão denotam inúmeras dificuldades, além das básicas, provedoras da sobrevivência, inclui-se cobranças externas advindas de vizinhos, amigos, instituições e, principalmente, as pessoais e subjetivas que movem cada ser ocasionando emoções e sentimentos inerentes ao contexto, como observamos nos discursos a seguir:
(F02) “Ele tenta desmoralizar a família, é mais nessa questão mesmo de desmoralizar, mentir, contar mentiras, inventa coisas, porque vizinho gosta de saber fofoca da vida dos outros aí ele chega, o vizinho dá um cigarro, um copo de bebida pra ele aí ele vai contando o que o vizinho quer ouvir.”
(F04) “Indignada, com raiva, revoltada e com vontade que ele morresse para acabar com os problemas. A sensação de impotência foi muito forte diante da situação.”
Movimentos antagônicos e distintos passeiam nas dinâmicas familiares tais como: aceitação e rejeição, raiva e amor, culpa e responsabilização, desespero e esperança dentre outros, associados ao estigma do papel que a família representa na contemporaneidade, acolher, cuidar, prover, educar, direcionar e quando esses fatores são falíveis, através da exposição de um familiar com uso problemático, sentem-se culpabilizados, envergonhados, frustrados por não terem representado adequadamente a função preterida alicerçada em uma representação arquetípica. Os sentimentos convergem e divergem sucessivamente e o equilíbrio emocional oscila prejudicando as relações. Isso evidencia-se nos relatos:
(F01)“...conversei muito com ele e disse pra ele que ele tinha que tomar um jeito na vida dele porque senão ele iria acabar com nosso casamento, que eu não tava disposta a ter que passar por aquilo tudo de novo que já havia passado a uns anos atrás, porque o sofrimento é muito.”
(F01) “Hoje a situação tá bem melhor porque ele começou a trabalhar, já tem 4 meses que ele não usa nada, embora ele esteja um pouco debilitado , porque a pouco tempo ele teve uma virose, foi muito forte essa virose que ele teve, os exames que foram feitos na emergência o médico disse que ele estava com anemia e deveria tratar essa anemia, na época minha mãe comprou pra mim uns remédios no cartão dela pra ele poder fazer uso dos remédios e agora ele voltou a tomar os remédios de novo, no caso o remédio pra anemia, que eu disse pra ele que ele deveria voltar a tomar o remédio, pois apesar de tudo, o amor que sinto por ele é muito maior que todo sofrimento e não quero que ele fique doente e morra”.
(F03) “É assim, desesperada e, e, e sem saber o que fazer, e eu, eu, eu penso assim, ...eu não posso jogar fora porque é meu pai e meu filho...”
(F04) “Cheguei a me sentir culpada várias vezes e constrangida com a opinião dela de achar que eu tinha obrigação de aceitar e frequentar aquele lugar e o comportamento dele. ... a cobrança interior era grande, eu me sentia com o compromisso de dar um jeito e resolver todos os seus problemas”.
A presença do sentimento de culpa está atrelada ao papel de extrema valorização da família moderna, que segundo, a nossa sociedade investiu e idealizou intensamente o núcleo familiar. Já que a família é tudo, também é responsável por tudo. Se tudo se remete a família, tudo é culpa da família (MELMAN, 2001).
No relato dos familiares, a preocupação em resolver os problemas, é evidente e impeditiva no sentido de haver pouco tempo e espaço para outras atividades, desencadeando cobranças e exigências dentro da família como podemos constatar:
(F02) “...Caramba, não vou poder ir de novo” e ai eu fui trabalhar ai quinta feira não vou poder ir de novo, o homem já me ligou, minha filha venha quinta feira fazer a faxina, então pra também, eu não posso ficar...
(F03) “...mas ele é assim aquele jeitinho assim, eu saio pra trabalhar, eu tenho que sair não posso tomar conta e ai eu to assim pra enlouquecer agora, agora é os dois ele e meu pai, não tenho tempo de fazer mais nada...
É premissa básica atribuído ao contexto familiar na contemporaneidade a assistência, o cuidado, a responsabilização pelo funcionamento harmonioso e inerente aos princípios que traçam e norteiam as representações a ela conferida, uma vez que a família se ancora socialmente em laços afetivos, instituída como o lugar que se propõe a este objetivo.
Dessa forma, quando ocorrem situações controversas que abalam os padrões familiares que desestruturam seus alicerces, evidenciam-se as inabilidades no trato com as questões pertinentes as relações bem como conflitos geradores de sofrimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Este trabalho, aponta para as repercussões que ocorrem nas dinâmicas familiares, advindas do uso problemático de álcool e outras drogas de um ou mais indivíduo, bem como, as dificuldades encontradas pelas mesmas, diante da escassez de redes de apoio que atendam suas necessidades.
É importante ressaltar que os conflitos gerados nesse contexto, desorganizam significativamente toda a família, fazendo surgir sentimentos negativos como angústia e medo, e como consequência, percebe-se o desequilíbrio, que muitas vezes leva à quebra da harmonia entre seus pares. Para minimizar essas condições, faz-se necessário estabelecer atitudes de cuidado e amparo aos familiares, através de instituições, profissionais de saúde, assistência entre entidades, e assim planejar e implementar as estratégias de esclarecimento e apoio, em todos os aspectos necessários, a fim de preencher as lacunas existentes.
De fato, pode-se depreender dos relatos, que os familiares carecem de instituições que as assistam, escutem, orientem, pois sentem-se atônitos e impotentes diante do familiar adicto. Para esse, ainda que muitas vezes precário e incipiente, existe um lugar, alguma escuta, oficinas, prevenção e tratamento, entretanto para o familiar, fator de igual importância no processo, a carência é enorme, e as consequências advindas são, a falta de preparo emocional e existencial, no lidar com as situações individuais, subjetivas e relacionais, apresentando como consequência a culpa, e a responsabilidade unilateral.
Esse estudo, corrobora com o "desamparo" dos familiares ao demonstrar como as mudanças advindas da reforma psiquiátrica não os contemplam, não os atendem satisfatoriamente visto que, no grupo onde as instituições de saúde mais aparecem (CAPS, Comunidade Terapêutica, CETAD), é exatamente o grupo em que eles não têm o apoio necessário, indo de encontro ao que se espera destas instituições, seja na promoção da escuta, do acolhimento e da orientação.
Espera-se, ainda, que os dados encontrados, possam estimular reflexões sobre a problemática do atuar do familiar num contexto adverso, e a importância de assisti-lo, vislumbrando a abertura de novas possibilidades de acompanhamento, esclarecimento, e políticas públicas voltadas para os familiares e cuidadores.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST/Aids.
A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas / Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST e Aids. – Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
BUCHELE, Fátima; MARQUES, Ana Cecília Petta Roselli; CARVALHO. Denise Bomtempo Briche de. A importância da identificação da cultura e de hábitos locais relacionados ao álcool e a outras drogas. Atualização de conhecimentos sobre Redução de Demanda de Drogas: curso à distância. Governo Federal. Editora Lagoa: 2004.
CUNHA, Jurema Alcides. Psicodiagnóstico-V. 5. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Artmed, 2007.
DIAMANTINO, Rui Maia. Internar ou cuidar: investigando as dinâmicas familiares no contexto da reforma psiquiátrica em Salvador / Rui Maia Diamantino. Salvador, 2010.
DRUMMOND, M., & DRUMMOND FILHO, H. (1998). Drogas: a busca de respostas. São Paulo: Loyola.
TAVARES, Gilson. Uso abusivo do álcool e outras drogas, o melhor caminho não seria a prevenção? (Psicanalista, Master Coach, Consultor Comportamental - 2011). Disponível em <http://pch-postagens.blogspot.com.br/2011/06/uso-abusivo-do-alcool-e-outras-drogas-o.html>. Acesso em 08 de agosto de 2014
MELMAN, Jonas. Família e doença mental: repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares/Jonas Melman. – São Paulo; Escrituras Editora, 2001.
MIERMONT, J. (1994). Dicionário de Terapias Familiares: teorias e práticas. Porto Alegre: Artes Médicas.
MINUCHIN, Salvador (1982). Um modelo familiar. In: MINUCHIN, Salvador. Famílias: funcionamento & Tratamento. Cap. 3. (pp.52-69). Porto Alegre: Artes Médicas.
BOWEN, Murray (1991). De la família ao indivíduo. Barcelona: Paidós.

Anderson Souza Carneiro dos Santos
Psicólogo Clínico e da Saúde
Psicoterapeuta
Especializando em Terapia Cognitivo Comportamental
Formação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial
CRP 03 / 10602